Sejamos enfáticos: a nuvem não tem dono. Há mais de uma década ouvimos cada vez mais inúmeros comentários que pregam o fim do código-fonte proprietário e a vitória do código aberto – ou opensource, como prefiram. A tendência computacional realmente prioriza programas customizáveis e de desenvolvimento aberto. Cabe discutir alguns mitos, tendências e tabus sobre o assunto.
Há pouco em uma matéria de destaque da revista Galileu, a diretora executiva da Canonical, empresa que desenvolve o Ubuntu linux foi incisiva: “o código aberto será a norma da computação do futuro”. Inúmeros são os pontos positivos acerca do código livre. Basta observarmos: as principais fontes de download das distribuições linux estão em universidades espalhadas por todo o mundo. E por que lá? A união entre desenvolvimento, tecnologia e pesquisa é uma das bases do código aberto. A comunidade de estudantes e professores que criam novas distribuições, testam usabilidade e indicam possibilidades de correções. Para além, não ficam presos à licenças e contratos de fidelização, podendo adaptar seus projetos.
Código aberto não é filantropia
A executiva ainda nos dá uma boa dica de como lucrar com os programas abertos. Observemos sua fala, quando explica como a organização lucra e mantém seu crescimento:
“Com consumidores, pelo portal Ubuntu One as pessoas podem baixar músicas, é como uma nuvem pessoal; a segunda maneira é negociando com quem constrói e fabrica computadores, fazendo personalizações do Ubuntu; o terceiro jeito de lucrar é com as empresas, fornecendo serviços como suporte, consultoria e treinamento“.
Olhos abertos então. Não é na venda que se lucra, mas no valor adicionado, no serviço, na usabilidade. Digamos que o mercado computacional deu um salto qualitativo. Os programas e o próprio conceito de tecnologia não são mais vistos de forma mercadológica e proprietária. Novas formas de se relacionar com o mercado são necessárias para a sobrevivência.
Uma mudança cultural é necessária
Essa discussão me lembra de algumas conversas com usuários de produtos da Apple. Muitos criticam os produtos de Jobs por não possuírem suporte ao flash. Porém Jobs e os demais defensores da maçã disparam as críticas contra a Adobe e o código proprietário do flash. Muitos podem argumentar que o peso do flash diminui o desempenho das aplicações que funcionam em seus aparelhos, mas a discussão é mais profunda. Há plataformas abertas como o html5, já usado no próprio youtube.com que dão suporte à vídeo de forma livre, sem necessidade dos plugins externos do flash. Então será mesmo que o flash é necessário? Pensemos nas derrotas que a Adobe teve nos últimos anos, com seu famigerado Reader que ganhou bons concorrentes e até programas (como o próprio Microsoft Office) que passou a salvar arquivos com a conhecida extensão .pdf. Realmente os bons ventos assopram pro lado do software livre…
Porém é necessário relativizar um pouco. Há dois lados da moeda. Inúmeras funcionalidades já foram desenvolvidas para plataformas proprietárias e não podemos simplesmente abandoná-las. Quiçá traduzi-las. Não podemos ser puritanos ao pensar que tudo que é opensource é melhor. Claro que não, há muitos programas proprietários que são simplesmente os melhores para o que foram feitos. Há uma boa equipe de desenvolvedores, bom suporte, ótimas atualizações e interface amigável. Notaram, isso é o valor agregado que me referi. Ora, esse produto não merece o preço que foi comprado?
E, falando em preço, aqui está outro argumento que deve ser demistificado. Todos falam que os produtos proprietários são caros e tem licenças absurdas. Mas eles possuem licenças para uso doméstico, para estudantes e muitas outras gratuitas ou “acessíveis”. Universidades, por exemplo, disponibilizam licenças para seus alunos. Ocorre que isso não é de conhecimento público. Para além, muitos usuários instalam “mais do que precisam”, usando sistemas operacionais na versão “desenvolvedores” possuindo um uso bem abaixo de suas potencialidades. Caso o usuário fosse consciente e utilizasse apenas o que precisa, poderia legalizar seu programa, ou ainda usar um programa de código aberto ou de licença livre.
Aliás, um lembrete: Programas de código aberto não são programas de licença gratuita. Parece boba essa lembrança, mas não é. O programa “grátis” – freeware – é aquele que não é necessário pagar para que o mesmo funcione. Por muitas vezes ele possui outros programas que são instalados conjuntamente (barras de ferramenta ou buscadores) e portam propagandas. Os programas gratuitos podem ter uma versão “completa” paga. Seu código fonte é fechado e proprietário de uma empresa. Já o programa que tem código aberto – opensource – não tem qualquer restrição ou preço pago para seu uso, porém por vezes necessita de um registro/cadastro que é gratuito, no sítio do desenvolvedor. Mas voltemos a discussão sobre os motivos para não migrar de um programa proprietário pago para um gratuito ou de código aberto.
É o costume, o hábito que é o principal limite, o entrave para mudar. Por achar a interface mais complicada – o que por vezes realmente é – ou ainda por estar acostumado a usar o programa proprietário, a migração para o concorrente livre ou de licença gratuita não é feita. Por vezes há ainda a desconfiança em migrar, algo parecido que ocorre quando um médico receita um medicamento genérico. “Será que vai funcionar? Será que é tão bom quanto?” Isso somente será resolvido com uma mudança cultural profunda, inegavelmente.
Expostos os prós e os contras, resta-nos concluir. Não há dúvidas que a tendência é o código aberto, o programa livre. Mas digo código aberto não apenas no programa em si, mas no conceito. O código aberto não deve ser visto como algo “de graça” apenas, mas uma realidade nova, de múltiplas mídias que convergem, de múltiplos tipos de usuários, de uma nova maneira de nos relacionarmos com a tecnologia. Digo mais, uma nova maneira de entendermos os negócios.